sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Um Desses


Tudo começou assim: ela estava lá todo dia no mesmo horário (e a outra também), estavam sempre atrasadas e com sono, o mau humor era inegável aquela hora da manhã. Escola, cursinho, trabalhos, estudos, família, cachorro, amigos, garotos...

FÉRIAS!!!

Era o que pediam sempre que acordavam ás 5:30 da matina, porém ainda faltavam alguns meses para esse tão esperado descanso. A cada dia que passava aumentava, para as duas, as responsabilidades e impaciências. Perdidas no meio de suas obrigações elas buscavam, sem sucesso, a paz.

A rotina estava cada vez mais pesada e foi aí que resolveram (sem saber uma da outra) buscar ajuda. Mas onde? Quem?

Pensaram (cada uma com seus botões) e uma decidiu procurar alguma Igreja, uma religião para seguir, a outra além de um psicólogo recorreu também à ioga.

No começo as soluções (das duas) estavam dando resultados. Depois de um tempo, tudo voltou a ser como era antes (tanto para uma, quanto para a outra).

Mas o que será isso que fica indo e vindo em nossas vidas como se fossem ondas num imenso mar? Somos gotículas mínimas e acabamos sempre sendo levados por essas grandes ondas. Mas não precisava ser sempre. Será possível manter uma estabilidade? Não no mundo e nos acontecimentos que fogem ao nosso alcance, mas dentro de nós mesmos.

Pois parece que não, e que o digam essas duas. Foi assim aos 12, 13, 14, 15, 16, 17 anos... e parece que a vez dos 18 está bem próxima. É isso mesmo, vai ser assim também nos 18, 19, 20, 21, 22, 23... vai ser assim até o último dia aqui nessa terra.

Não é pessimismo não, é a mais pura verdade. A vida é assim, inconstante, imprevisível. Nos resta apenas viver. Tudo isso que vem à tona na nossa cabeça de tempos em tempos, ou meses em meses, nada mais é do que o medo do que virá. Toda essa agonia, angústia, tristeza, apenas faz parte de um momento de insegurança. Por mais que pareça que não, pode acreditar, é. E não são só os inseguros que sofrem com isso, os seguros também. Ninguém sabe de tudo o tempo todo.

Mas voltando ao que interessa: após superar esses meses de “desespero” tudo voltou ao normal e lá estavam elas, depois de saírem do ensino médio, não tentaram vestibular e foram trabalhar. Mais uma vez, elas se esbarravam no ponto de ônibus todos os dias no mesmo horário.

Anos se passaram e tudo parecia caminhar normalmente para as duas. Uma tinha mudado de cidade, estudado muito, se formado e construído uma carreira invejável. A outra se casou com um marido brilhante, teve dois filhos e era uma grande mãe e esposa dedicada. Tão diferentes e tão iguais.

Hoje não andam mais de ônibus, têm carro, não costumam freqüentar o lugar onde moravam na época da juventude, mas continuam as mesmas. Saem de casa sempre atrasadas, não importa o compromisso e odeiam acordar cedo, são mal-humoradas quando acordam, independente da hora e ainda sentem falta de alguém para desabafar quando os dias cinzentos se aproximam, para rir de coisas bobas, para fazer nada ou para fazer tudo.

As duas têm tudo o que sempre sonharam, mas falta aquele alguém que sempre esteve ali do lado, aquele alguém que sabe mais de nós do que nós mesmos, aquele alguém que sem ele não tem graça ter vivido tanta coisa.

Esse alguém que falta podemos chamar de amigo, amigo de verdade, amigo de infância, melhor amigo.

Ter um desses não afasta os tempos de medo e derrota nem atrai os momentos de alegria e prazer. Ter um desses não te torna nem mais santo nem mais pecador. Ter um desses não te livra de doenças nem o faz ser eterno.

Ter (pelo menos) um desses é o maior presente que alguém pode receber, é (mesmo nos momentos em que se sente sozinho) saber que depois de toda aquela fossa alguém vai te ouvir, te dar um abraço e te fazer sentir acolhido e não importa o quanto você se sinta rejeitado, ele sempre se preocupa com você, mesmo de longe, mesmo ocupado, do jeito dele, seja ele esperto, lerdo, desajeitado, certinho, doidão.

Alguns são agraciados com mais de um desses, e eu te digo, ter mais de um desses é inexplicavelmente maravilhoso. Alguns encontram esses tipos pela vida e não os reconhece ou os abandonam, não são nobres o suficiente para ter e ser tanto. Alguns demoram um pouco para encontrar, mas logo o reconhecem.

Acredito que Deus dá à todos, pelo menos, uma oportunidade de tropeçar com um desses ao longo dos caminhos da vida. Essa é uma das formas que Ele encontra de se fazer presente no meio de nós.

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